Traduzido por Celina Vilas-Boas.
Bem-vindos à Rádio MIA. Hoje, temos o prazer de receber como convidado Jaakko Seikkula. Jaakko é um psicólogo que ajudou a desenvolver a prática do Diálogo Aberto no Hospital Keropudas, em Tornio, Finlândia, na década de 1990, e é a pessoa que conduziu a investigação que revelou resultados notáveis a longo prazo com esta forma de cuidados.
Nos últimos 15 anos, ele desenvolveu e liderou programas de formação que levaram à adoção das práticas do Diálogo Aberto em 40 países. Recentemente, publicou um livro intitulado Why Dialogue Does Cure.
Nesta entrevista, discutimos como surgiu o Diálogo Aberto, as pesquisas que mostram os seus resultados positivos, como a psiquiatria falhou em aprender com a prática do Diálogo Aberto e muito mais.
A transcrição abaixo foi editada para maior clareza e concisão. Ouça o áudio da entrevista aqui.
Robert Whitaker: Jaakko, é um grande prazer ter-te aqui hoje connosco.
Jaakko Seikkula: Obrigado pelo convite. Estou ansioso pela nossa conversa.
Whitaker: Uma das primeiras coisas que gostaria de fazer é uma pergunta pessoal. Onde cresceste na Finlândia e o que te motivou a tornar-te psicólogo?
Seikkula: Essa foi uma pergunta que me fiz quando estava no ensino secundário. Na verdade, foi como excluir opções do que eu gostaria de fazer, e uma das últimas opções foi estudar psicologia. Então foi isso que fiz. Depois, vir a trabalhar na área clínica, acho que, claro, sempre há alguma história familiar. Acho que a parte principal da minha história familiar relacionada com questões psicológicas é o facto de ter perdido o meu pai muito jovem. Eu tinha 10 anos e, ao viver nessa situação com a minha mãe, acho que isso me levou a interessar-me por psicologia.
Whitaker: Acho sempre que quando as pessoas seguem essa área, elas têm motivos pessoais para isso. Onde estudaste e fizeste a tua formação para te tornar psicólogo?
Seikkula: Na Universidade de Jyväskylä, onde mais tarde trabalhei como professor de psicoterapia. Foi lá que estudei.
Whitaker: Se voltarmos à década de 1980, aqui nos Estados Unidos, temos o novo modelo de doença que surgiu com a publicação do DSM-III em 1980. O modelo de doença, especialmente relacionado a pessoas com transtornos mentais graves, incluindo transtornos psicóticos e esquizofrenia, declara que se trata de uma doença cerebral. Não está relacionada com o ambiente psicológico. Era causada por um desequilíbrio de dopamina e tínhamos medicamentos que corrigiam os desequilíbrios químicos no cérebro, como a insulina para a diabetes.
Mas o que prevalece, pelo menos em Tornio, é uma conceção muito diferente. Quais foram as influências, tanto pessoais como nacionais e culturais, que te levaram a seguir este caminho que acabaria por dar origem ao Diálogo Aberto na década de 1990?
Seikkula: Penso que, na Finlândia, temos muita sorte num aspeto, que é o facto de termos uma longa tradição de interesse psicoterapêutico pela esquizofrenia e pelos problemas psicóticos. Temos de referir uma pessoa, o professor Yrjö Alanen, que, com a sua equipa, desenvolveu algo que veio a ser chamado de abordagem adaptada às necessidades no tratamento da psicose e de outros problemas mentais graves.
A ideia da abordagem adaptada às necessidades era integrar a psicoterapia individual no tratamento. Yrjö Alanen era psicanalista e muitos dos seus colegas tinham uma perspetiva psicodinâmica com terapia familiar sistémica. Para descobrir as necessidades de cada cliente, desenvolveram esta inovação de reuniões terapêuticas abertas, que se tornou muito decisiva no nosso trabalho. Quando começámos a trabalhar em Keropudas, todos nós tínhamos interesse nesse modelo adaptado às necessidades; queríamos construir uma psiquiatria centrada na família no ambiente hospitalar.
Whitaker: Podes falar sobre outra influência em termos de desenvolvimento de abordagens dialógicas, Tom Anderson, da Noruega? Que influência teve ele sobre ti pessoalmente e também sobre o desenvolvimento das terapias de Diálogo Aberto no Hospital Keropudas?
Seikkula: Começámos a trabalhar desta forma aberta em 1984. Isso substituiu a aplicação da terapia familiar sistémica de forma tradicional, pois era muito complicada no ambiente hospitalar. Conheci Tom pela primeira vez em 1987 ou 1988, à volta do seu trabalho em Tromso. Ele teve essa ideia aberta em janeiro de 1985. Então, sem saber nada um sobre o outro, ambos chegámos à mesma conclusão de que precisávamos de abrir o trabalho que as equipas estavam a fazer e que isso parecia ajudar muito as famílias.
Depois disso, quando nos encontrámos com o Tom, percebemos que tínhamos muito em comum. O Tom convidou a nossa equipa para visitar e explicar o nosso trabalho, e nós convidámos o Tom para nos visitar. Ele foi um visitante regular do nosso hospital durante décadas, pelo menos uma ou duas vezes por ano, para dar seminários. Acho que o que mais me impressionou foi o enorme respeito que o Tom tinha pelos clientes e seus familiares. Isso parece ser muito desafiante para pessoas que trabalham numa prática clínica muito agitada e diária.
Whitaker: Aqui há dois elementos que considero bastante inovadores. A parte reflexiva da terapia de diálogo aberto, quando os terapeutas se voltam uns para os outros e dão a conhecer os seus pensamentos. Isso foi desenvolvido no Hospital Keropudas? De onde veio o elemento reflexivo desta abordagem dialógica?
Seikkula: Foi a primeira ideia quando começámos a aplicar esta abordagem de reuniões abertas. Deixámos de nos reunir entre os funcionários sem a presença dos pacientes hospitalizados. Achámos que, em todas as conversas em que falávamos sobre aqueles a quem chamávamos pacientes, eles precisavam de estar presentes e que precisávamos de partilhar abertamente as nossas ideias sobre como ajudá-los, os diferentes elementos do planeamento dos cuidados, etc.
Foi essa a ideia com que começámos, ter esta conversa aberta entre a equipa. Penso que estes elementos reflexivos tornaram-se realmente mais consistentes na colaboração com a equipa de Tom Anderson. Tom falou sobre como, com os elementos reflexivos, há uma mudança na forma de falar e ouvir. Também nos tornámos mais conscientes deste ponto ao longo do tempo. O que significa que os profissionais partilhem abertamente os seus pensamentos?
Whitaker: Tive a oportunidade de assistir a algumas reuniões de diálogo aberto com clientes. Eu não falo finlandês, mas fiquei muito atento a observar como os clientes ouviam. Dava para ver que, durante esses momentos reflexivos, eles ficavam muito atentos, muito concentrados em ouvir o que estava a acontecer.
Depois, quando perguntei aos clientes o que eles mais gostaram nas reuniões, eles apontaram o momento em que expressaste os teus pensamentos. Acho que isso cria uma sensação de intimidade entre ti e a família. Também achas isso?
Seikkula: Definitivamente. Na primeira reunião em que começámos a falar abertamente, ficámos muito surpreendidos com o que aconteceu. Não podíamos esperar que algo assim acontecesse, ou que a resposta das famílias e dos clientes fosse extremamente positiva. Também nos tornámos um pouco extremistas, ou um pouco rígidos, de certa forma, em algumas situações em que tentámos forçar a família a pensar que era bom ouvir a nossa conversa, mesmo que não gostassem. Depois percebemos que essa não era uma boa política. Mas eu diria que, em nove casos em cada dez, essa ideia de ouvir a reflexão entre os funcionários é, como você disse, um momento muito curioso para as famílias.
Whitaker: Em 1992, o governo finlandês financiou um estudo em seis locais sobre tratamento adaptado às necessidades. Conta-nos sobre esse estudo.
Seikkula: O nome do estudo era Cuidados Integrados na Psicose Aguda. Yrjö Alanen, Ville Lehtinen e Jukka Altonen foram as pessoas centrais [que conceberam o estudo]. Eles viram isso como uma resposta à tendência neurobiológica extremista que estava a ganhar domínio, e uma das principais questões era descobrir o papel da medicação neuroléptica no tratamento da psicose. Por esse motivo, criaram um procedimento em que a medicação neuroléptica não era iniciada na primeira consulta. Observa-se como essa intervenção psicossocial ativa ajuda e, depois de quatro, cinco ou seis semanas, se não estiver a ajudar o suficiente, pode-se administrar medicação neuroléptica. Três locais estavam a trabalhar com este novo procedimento e três locais estavam a trabalhar da forma tradicional, com medicação.
Whitaker: Todos os seis locais estavam a usar os princípios adaptados às necessidades, certo? A variável era o uso de medicação.
Seikkula: Exatamente. Essa era a diferença, e Keropudas era um dos locais que não iniciava a medicação no início.
Whitaker: Quais foram os resultados desse estudo?
Seikkula: Houve uma diferença significativa entre os resultados [nos dois grupos]. Descobrimos que as pessoas podiam voltar ao trabalho mais rapidamente se não lhes fossem prescritos neurolépticos. Foi muito surpreendente, porque continuámos com esta ideia de não usar medicação e depois percebemos que, na verdade, apenas 15% [dos nossos pacientes] começaram a tomar medicação no início e, durante os primeiros dois anos, apenas 25% a tinham usado.
Essa foi a altura em que se dizia que [a psicose] era uma doença cerebral, é preciso tomar a medicação para parar esse processo tóxico no cérebro. Ficámos surpreendidos por ver que as pessoas realmente não precisavam de medicação e que, se não a tomavam, os resultados eram melhores.
Whitaker: Podes contar-nos como era trabalhar com pessoas sem medicação?
Seikkula: O que aprendemos, e é claro que isso é mais ou menos óbvio, é que precisamos estabelecer um relacionamento muito intenso com as famílias. Precisamos construir isso com as famílias desde o primeiro dia, chegando a reunir-nos diariamente durante a primeira semana, se necessário.
Mas havia uma enorme incerteza entre os funcionários. É muito diferente da forma tradicional, quando alguém chega ao hospital. Normalmente, a pessoa é medicada e depois todos ficam à espera do efeito da medicação. Agora era totalmente diferente. Não se esperava, mas sim saltava-se para o rio e começava-se a nadar junto com as pessoas que estavam lá, tentando encontrar a margem e para onde podíamos ir.
Whitaker: Podes falar sobre como a ausência de medicação mudou a conexão entre ti e a outra pessoa? Porque agora o cliente pode trazer as suas próprias emoções para estas reuniões. Como isso afetou a interação ou mesmo o sentimento de conexão entre a tua equipa, a família e a pessoa individualmente?
Seikkula: Um elemento muito surpreendente foi que, na primeira reunião, a maioria das pessoas ficou não-psicótica. Pensámos que o que acontecia ali era que, quando as pessoas eram ouvidas, e era a pessoa que tinha experiências psicóticas, mas também a mãe, o pai e os familiares, todos tinham essa experiência, elas tinham mais recursos em que se apoiar. De certa forma, elas não precisavam, ou a pessoa não precisava, de uma reação psicótica.
Esse é um dos primeiros resultados muito fascinantes de se ver e perceber que o diálogo parece ser o melhor medicamento, muito mais rápido [no seu efeito] do que os neurolépticos.
Whitaker: Essa é uma ótima descrição porque, novamente, quando eu observava as pessoas no encontro de pessoas que eram teoricamente psicóticas, era possível vê-las relaxar e perceber que isso promovia uma sensação de que elas podiam estar com outras pessoas.
Então, quanto tempo durou o estudo inicial?
Seikkula: Dois anos, e depois houve uma comparação entre o tratamento habitual e o novo procedimento. Devido a estes resultados muito surpreendentes, decidimos que queríamos continuar com o nosso próprio estudo, que se chamava Diálogo Aberto na Psicose Aguda, que continuámos imediatamente após o término do primeiro estudo.
Este segundo estudo foi importante para nós porque foi nessa fase que reunimos todos os princípios do Diálogo Aberto. Em 1995, usámos este termo pela primeira vez e percebemos que existem elementos ótimos de cuidados nesta nova ideia baseada na comunidade.
Whitaker: Podes resumir os resultados que observaste ao fim de cinco anos com esta forma de cuidados?
Seikkula: Reunimos pessoas que estavam na Lapónia Ocidental no estudo nacional de cuidados integrados de psicose aguda e no nosso próprio modelo de «Diálogo Aberto». Acompanhámos ao longo de cinco anos e também fizemos uma comparação para ver se havia diferenças entre a fase inicial e a fase de diálogo aberto. Houve algumas diferenças. Mas o surpreendente foi que, mesmo após cinco anos, mais de 80% das pessoas estavam empregadas, o que é o oposto dos resultados da psiquiatria tradicional, onde 60% ou 70% das pessoas estão incapacitadas após dois anos. Os nossos resultados foram o oposto.
Whitaker: O que descobriste em termos de uso de medicamentos ao fim dos cinco anos?
Seikkula: Quando a medicação era utilizada, os resultados eram piores e, quando não era utilizada, os resultados eram melhores. É claro que, neste processo de utilização seletiva, espera-se que a medicação seja utilizada apenas nos casos mais graves. Mas, de certa forma, isso confirma que realmente vale a pena evitar a medicação neuroléptica e utilizar outras ferramentas antes [de iniciar a medicação].
Também observámos que, quando as pessoas eram hospitalizadas, havia uma maior probabilidade de uso de medicação e, quando a medicação era utilizada, a equipa tornava-se muito mais passiva. Começavam a esperar pelo efeito da medicação e deixavam de ter um papel ativo com as famílias. Portanto, a este respeito, penso que a medicação neuroléptica tem, naturalmente, um impacto na função cerebral da pessoa de alguma forma, mas tem um grande impacto na forma como a equipa trabalha.
Whitaker: Porque, é claro, vemos isso apenas como algo que afeta a pessoa, o cliente.
Seikkula: Sim.
Whitaker: Também acredito que descobriste que pelo menos dois terços dos pacientes, no final de cinco anos, nunca precisaram de tomar medicação.
Seikkula: Sim. Se bem me lembro, cerca de dois terços nunca usaram medicação. Em cinco anos, talvez 20% estivessem a usar neurolépticos.
Whitaker: Publicaste agora resultados que remontam a um estudo nacional adaptado às necessidades. O Hospital Keropudas fica em Tornio, no norte da Finlândia, bastante longe de Helsínquia. Mas os seus resultados estão centrados num hospital público e a Finlândia tem um sistema de saúde público. Por isso, seria lógico pensar que o resto da Finlândia diria: «Oh, isto é fantástico. Vamos praticar o Diálogo Aberto em todos os nossos centros, porque estes resultados são muito superiores.» Qual foi a resposta?
Seikkula: Penso que uma das respostas foi aquilo a que nos referimos no início da nossa conversa, que havia este modelo neurobiológico extremo que perdurava. Começou a surgir este movimento extremista de ideias neurobiológicas ou reducionistas sobre a esquizofrenia também na Finlândia. Começaram a criar diretrizes. A primeira era uma espécie de cópia das que existiam nos Estados Unidos. Isso também tomou conta da Finlândia, e o interesse em ter uma orientação mais psicoterapêutica ou familiar desapareceu. É claro que também houve reações à ideia que estávamos a introduzir, dizendo que isso não podia ser verdade, que não era um bom tratamento e assim por diante.
Whitaker: Um dos pontos, é claro, é que o Diálogo Aberto não dá poder aos psiquiatras, que são médicos, enquanto o modelo médico dá poder aos psiquiatras e eleva o seu prestígio. Então, eles disseram que a investigação era fraudulenta? Como é que rejeitaram as descobertas?
Seikkula: Sim, eles disseram que isso não podia ser verdade e começaram a analisar todos os problemas possíveis, como a ausência de randomização e assim por diante. Desculpas que, na verdade, não têm nada a ver com a prática clínica real. Essa é a parte triste disso, porque tenho a impressão de que é muito uma questão de poder. Alguém realmente ganhou muito poder com essa ideia neurobiológica com a indústria farmacêutica e não quer abrir mão desse poder. É muito triste porque significa que as pessoas realmente são cronificadas, como vimos nos resultados do estudo a longo prazo de 19 anos.
Whitaker: Mencionaste os resultados de 19 anos. Explica o que viste nesse estudo.
Seikkula: Houve um terceiro período de investigação na Lapónia Ocidental e juntámos todas estas três amostras. Tínhamos 108 pacientes com psicose pela primeira vez e, em seguida, fizemos uma comparação com base no registo nacional finlandês, analisando 1750 pessoas ou algo parecido. O que aconteceu [ao longo de 19 anos] em relação à mortalidade, utilização de serviços, emprego e incapacidades foi que houve enormes diferenças. Ao comparar o Diálogo Aberto com o tratamento habitual, muitos elementos eram [duas vezes] mais graves no tratamento habitual do que no diálogo aberto.
Eles tinham sido hospitalizados mais [por períodos superiores a um mês] no grupo de tratamento habitual do que no Diálogo Aberto. Oitenta por cento ainda tomavam medicação neuroléptica, em comparação com 33% na Lapónia Ocidental. Mais de 60% viviam com uma deficiência, em comparação com 33% na Lapónia Ocidental.
Whitaker: Podes falar sobre Birgitta Alakare e como ela foi especial para tornar isto possível? Ela era psiquiatra e teve de romper com os padrões de cuidados.
Seikkula: Birgitta era a diretora médica na nossa parte do estudo sobre cuidados integrados de psicose aguda e ela realmente abraçou essa ideia do uso de medicação adaptado às necessidades. Envolveu-se de forma muito ativa no acompanhamento das equipas e no apoio às ideias. Quando as pessoas vinham falar com ela sobre a necessidade de usar medicação, Birgitta respondia: «Vamos ver amanhã», e este «vamos ver amanhã» tornou-se um slogan para nós. Quando se vai perguntar a Birgitta, sabe-se a resposta: vamos ver amanhã.
Ela assumiu uma posição muito pessoal, mas muito responsável em relação aos clientes, aos pacientes e às equipas, e acho que ela realmente adotou essa ideia de cuidado de uma forma muito profunda. Mais tarde, ela se tornou diretora de todo o sistema e também foi muito consistente com os novos psiquiatras que chegaram.
Ela também era engraçada. Costumava dizer para nunca permitir que o psiquiatra se encontrasse sozinho com o paciente. Por favor, esteja presente quando o psiquiatra estiver em consulta. É tão verdade, porque o que acontece quando se está sozinho numa consulta é que se concentra apenas nos sintomas. É preciso ter soluções e só se tiver uma equipa é que se tem acesso a uma perspetiva mais ampla.
Whitaker: Mais uma coisa sobre isto antes de passarmos à adoção do Diálogo Aberto noutros países. Se usarmos o modelo da doença e eu for diagnosticado, agora tenho de enfrentar um futuro em que serei apenas um doente crónico, e o melhor que posso fazer é tentar controlar a doença. Com o modelo do Diálogo Aberto, podes falar sobre como isso deu às pessoas uma narrativa diferente sobre o que era possível no futuro?
Seikkula: Há momentos muito decisivos nisto, e isso também é o que temos visto quando estas ideias foram adotadas noutros lugares. Um momento decisivo é a primeira reunião, e garantir que a primeira reunião seja uma reunião aberta, onde todos nos reunimos e começamos a questionar o que aconteceu. É uma espécie de convite para começar a tentar compreender. Para tentar envolver-se, mesmo que esteja a viver uma crise psicológica muito grave, em vez de definir que isto é uma doença e isto é um diagnóstico, e que precisa de fazer isto e aquilo.
Na adaptação do Diálogo Aberto [em outros países], vimos realmente que, se a primeira reunião é organizada por um psiquiatra que precisa fazer uma avaliação, perde-se muito do potencial. Quando nos reunimos, mesmo que as pessoas estejam muito confusas, elas podem sentir que são respeitadas e ouvidas e podem tolerar essa situação.
Uma pessoa, por exemplo, tinha um tio que era um nome muito importante na psiquiatria finlandesa. Quando ele soube que este era um projeto em que não se iniciava medicação, ficou furioso e prescreveu medicação imediatamente. Este pobre homem tomou a medicação duas ou três vezes e depois desapareceu do nosso contexto, e só o pudemos ver na entrevista de acompanhamento.
Ele disse que, quando o seu tio lhe receitou a medicação, tudo ficou escuro e vazio na sua cabeça. Nada aconteceu. Então, ele pensou: «Eu consigo suportar as minhas ideias visuais e vozes», e parou de tomar a medicação. Acho que as pessoas também podem tornar-se mais conscientes desses elementos quando não acreditam numa doença cerebral.
Whitaker: Isso lembra-me uma experiência realizada no final da década de 1970 por William Carpenter, em que todos os pacientes receberam psicoterapia. Um grupo recebeu medicação, outro não. O grupo que não utilizou neurolépticos teve melhores resultados ao fim de um ano. Depois, Carpenter perguntou ao grupo que não tomou medicação como foi passar por sintomas psicóticos sem medicação. Eles disseram que foi doloroso, mas que se sentiram gratos por terem tido a oportunidade de passar por isso enquanto eram capazes de pensar e de trazer as suas emoções para este processo.
Seikkula: Isto é muito importante. Além disso, o que acontece no Diálogo Aberto é que eles têm novas relações nas suas famílias, porque as famílias são tão activamente envolvidas. Eles realmente aprendem novos elementos, porque os familiares introduzem mais recursos do que um indivíduo pode aceder.
Whitaker: Em vez de se tornarem o problema designado na família.
Seikkula: Sim.
Whitaker: Estamos agora em 2025 e tu e outros estiveram envolvidos na criação de programas de formação em diferentes países. Em primeiro lugar, qual é a sua opinião sobre os programas de formação? Qual é a fidelidade desses programas ao modelo que foi desenvolvido no Hospital Keropudas e que existe há 20 anos?
Seikkula: Logo no início, em 1985, quando começámos a ter estas reuniões abertas, percebemos que não tínhamos formação suficiente para o novo modelo de trabalho. Então, decidimos fazer uma formação em terapia familiar para toda a equipa.
O programa de formação de um ano que está a decorrer — como disse, temos esses programas em cerca de 40 países — tem sido bastante bem-sucedido em muitos lugares.
Whitaker: Então, estás a ver algum sucesso na exportação do modelo. Tenho algumas perguntas. No Hospital Keropudas, não era uma forma alternativa de cuidados. Era a única forma de cuidados. Muitas vezes, quando fazemos algo diferente, torna-se uma alternativa que é um pequeno nicho dentro do sistema maior. Esses nichos conseguiram sobreviver dentro de um sistema maior de cuidados baseados no modelo de doença?
Seikkula: Esse é um ponto muito importante, e é o que geralmente acontece. Por exemplo, para alguns problemas psicóticos específicos, ou um problema de abuso de drogas com jovens e assim por diante, existem equipas específicas que adotam a forma de trabalho do Diálogo Aberto. Pode funcionar se a administração apoiar essa ideia para essas equipas. Mas o que tentamos dizer o tempo todo é que convidem os vossos colegas de fora da prática para se familiarizarem, para que não seja muito estranho para eles, porque se for muito estranho, eles começam a reagir e a tomar medidas contrárias à vossa prática.
Whitaker: Talvez saibas isto melhor do que eu, mas ainda não vi uma adoção bem-sucedida do que fizeram no norte da Finlândia nos Estados Unidos, onde tenham utilizado o modelo de uso seletivo de neurolépticos que vocês utilizaram.
Seikkula: Estou realmente impressionado com a prática que desenvolveram em Vermont. Pelo que percebi, também implementaram isso em todo o estado, para que não seja apenas algumas equipas, mas organizam formação sistemática. Eles realizam pesquisas e têm artigos muito bons sobre as experiências dos membros da equipa e dos utilizadores. Em relação ao uso de neurolépticos, ouvi dizer que as pessoas realmente conseguem fazer isso e ficam surpreendidas com os resultados, mas não sei ao certo o quanto isso aconteceu nos EUA.
Whitaker: Jaakko, tens realizado este trabalho de formação há quase 15 anos. Estás otimista de que isso está a ajudar a criar uma mudança de paradigma noutros países que mudará a forma como pensamos sobre a psicose e mudará os padrões de cuidados?
Seikkula: Estou otimista. Preciso de estar otimista porque acho que esta é a única forma de trabalhar. O Diálogo Aberto é mencionado em quase todos os lugares. Qualquer documento que se leia sobre psiquiatria, o Diálogo Aberto é mencionado, e isso não acontecia há sete anos. Passo a passo, entrou [na narrativa mais ampla] e temos essa ideia sistematizada para apresentar ajuda a pessoas que têm mais interesse em serviços humanísticos. Também estou otimista porque, em muitos países, encontro jovens psiquiatras que estão realmente interessados em aprender novas formas de trabalhar.
Whitaker: Falei com psiquiatras que se envolveram num projeto de Diálogo Aberto e todos dizem a mesma coisa. É uma forma gratificante de trabalhar com as pessoas, ao passo que prescrever medicamentos não é.
Seikkula: Um médico em Espanha, chamado Pedro, disse que se envolveu muito ativamente no Diálogo Aberto; agora está nos nossos programas de formação. Ele disse que todos sabem que o sistema atual não está a funcionar. Mas apenas alguns realmente fazem esta pergunta e, quando começou a procurar opções, encontrou o Diálogo Aberto. O que aconteceu com ele foi que a primeira reunião foi muito surpreendente. Depois disso, ele não teve mais dúvidas de que era assim que queria trabalhar.
Whitaker: Duas últimas perguntas. Uma é a pergunta que sempre surge aqui nos Estados Unidos. Que não é possível trabalhar com pessoas sem medicação porque elas são violentas. Podes falar sobre como lidar com a violência e criar espaços seguros?
Seikkula: Ser muito intenso na criação de relações no início é uma ideia muito decisiva. Como já mencionei, é preciso estar pronto para se encontrar diariamente, para introduzir segurança para as famílias e também estar presente se houver alguma ameaça de violência. Não vejo que o Diálogo Aberto aumente a probabilidade de violência. Há mais violência quando as pessoas estão hospitalizadas e, claro, há mais violência em reação ao tratamento forçado.
Whitaker: O título do teu último livro é Why Dialogue Does Cure (Por que o diálogo cura). Quando o li, uma parte que se destacou é que muitas vezes se ouve as pessoas dizerem sobre a terapia do Diálogo Aberto: «Oh, brilhante, devemos conversar com as pessoas». Elas reduzem isso a apenas conversar com os pacientes. Mas quando se lê o teu livro, percebe-se que há uma maneira de estar com as pessoas nessas situações que não é imediatamente instintiva ou intuitiva.
Seikkula: Acho que não se pode realmente compreender o cerne do Diálogo Aberto se não se tem experiência com ele. Muitas vezes, as pessoas entram na formação e perguntam: “O que há de novo nisto? É isto que fazemos?” Depois de duas ou três reuniões, elas dizem: “Ok, isto não é algo que eu conhecia. É uma maneira muito diferente de estar com pessoas em uma crise muito séria”. Por exemplo, essa ideia de ouvir e respeitar as expressões do outro é um conceito muito desafiador para os clínicos, especialmente, e então, quando você entra nesse mundo, as suas ideias se tornam muito diferentes.
Referiste-te ao meu livro, onde há uma espécie de descrição da mudança que aconteceu na minha prática nos últimos 20 ou 30 anos. Aquilo em que me concentro agora é em partilhar experiências emocionais nas reuniões com as famílias e a equipa. Isto significa que nos envolvemos nessas ideias emocionais, e é muito criativo porque, quando olhamos para o sistema tradicional de cuidados, eles focam-se apenas nos sintomas, e isso não cura os sintomas. Mas então, quando se pára com isso e se começa a encontrar-se com seres humanos, esses sintomas desaparecem. Eles realmente ficam curados.
Whitaker: Jaakko, foi um grande prazer ter-te aqui hoje. Deves sentir-se muito sortudo por ter tido uma vida tão significativa e por continuar a ter, por ver o Diálogo Aberto a espalhar-se, a ser adotado e a mudar a nossa forma de pensar. Acho que falo por muitas pessoas quando digo que o trabalho que tu e outros fizeram, Birgitta e a sua equipa, teve um impacto global extraordinário. Obrigado por estares connosco hoje.