Traduzido por Mattia Faustini de Mad in America
Um novo estudo publicado na revista Heliyon aborda a forma como as normas tradicionais de género e as expectativas de masculinidade condicionam a saúde mental dos homens e aumentam o risco de suicídio. Um grupo de investigadores liderado por Lisa Eggenberger, da Universidade de Zurique, descobriu que os homens que se conformam com os ideais masculinos rígidos – particularmente os que enfatizam o controlo emocional, a confiança em si próprio e o domínio – são significativamente mais vulneráveis à depressão e a pensamentos suicidas.
Embora a literatura sugira há muito tempo que as normas de género influenciam a saúde mental, este estudo analisa mais a fundo a forma como crenças marcadamente masculinas criam barreiras à procura de ajuda e levam os homens a entrar em crise. Dado que os homens têm 2,3 vezes mais probabilidades de morrer por suicídio do que as mulheres, é fundamental compreender o papel da masculinidade como fator de risco para o suicídio.
“A interligação entre a adequação às dimensões das normas masculinas – emocionalidade restrita, autossuficiência e propensão a envolver-se em situações de risco – aliada a crenças acerca da insuportabilidade da dor emocional, pode criar um sistema psicossocial suicidogénico”, escrevem os investigadores.
Em vez de atribuir as taxas de suicídio mais elevadas nos homens a uma patologia individual ou a uma vulnerabilidade biológica, os resultados sublinham a forma como as normas masculinas dominantes – moldadas por forças históricas, económicas e culturais – restringem ativamente a expressão emocional, desencorajam a procura de ajuda e criam uma paisagem psicossocial em que a angústia é internalizada, somatizada ou exteriorizada através da assunção de riscos e da agressão. A investigação aponta para a necessidade de intervenções que vão para além da gestão dos sintomas e que, em vez disso, desafiem as estruturas culturais e institucionais que sustentam masculinidades prejudiciais e apela a uma compreensão mais social e politicamente empenhada do sofrimento psicológico e da prevenção do suicídio.

As normas tradicionais masculinas às quais os homens estão sujeitos estão fortemente ligadas ao desenvolvimento daquilo que tem sido designado por masculinidade tóxica. O termo masculinidade tóxica foi criado para descrever as crenças, os valores e as expectativas prejudiciais dos homens na moderna sociedade capitalista e a forma como a inobservância dessas expectativas leva ao ostracismo e à inferiorização social. Algumas destas expectativas envolvem o posicionamento dos homens na categoria socialmente mais dominante, de ganha-pão, e a dissimulação de emoções como a tristeza, a ansiedade e outras. Entretanto, só é permitido expressar raiva. Isto dificulta a procura de ajuda por parte dos homens, uma vez que está associada a fraqueza e é encarada como feminina.
Este estudo fez parte de um projeto mais amplo da Universidade de Zurique. Os investigadores recrutaram pessoas de língua alemã em toda a Europa e pediram-lhes que preenchessem um inquérito on-line. O seu objetivo era avaliar os processos subjacentes através dos quais a suicidalidade poderia diferir nos homens ao considerar as normas masculinas tradicionais.
A análise incluiu 488 participantes, após controlo dos dados em falta e de outros factores. Os investigadores avaliaram a adesão às normas tradicionais de masculinidade, os sintomas depressivos, os pensamentos, crenças e comportamentos suicidas e a desejabilidade social. Quanto às variáveis demográficas, exploraram o historial de tentativas de suicídio, o diagnóstico psiquiátrico e a utilização de psicoterapia.
Além disso, avaliaram o grau de escolaridade, o nível socioeconómico, a orientação sexual e outras variáveis demográficas, não tendo encontrado diferenças entre os grupos.
Embora muitos participantes nunca tivessem sido diagnosticados com depressão ou procurado psicoterapia, os dados evidenciaram a existência de uma forte ligação entre a masculinidade e sofrimento psíquico. Especificamente, os homens que aderiam mais fortemente às normas masculinas tradicionais tinham maior probabilidade de sofrer:
- Níveis mais elevados de depressão e suicídio
- Maior repressão emocional e raiva
- Crenças de que a sua dor emocional era intolerável e sem solução
Os investigadores identificaram três grupos distintos com base no grau de adesão dos participantes às normas masculinas tradicionais:
- Os igualitários (60% dos participantes): Estes homens expressaram baixa conformidade com a masculinidade tradicional. Eram os menos susceptíveis de apresentar sintomas depressivos graves ou pensamentos suicidas.
- Os players [“jogadores”] (15% dos participantes): Este grupo manifestou uma adesão a crenças patriarcais que destacam o predomínio, a promiscuidade e a heteronormatividade. Apresentavam níveis mais elevados de comportamentos externalizantes, incluindo agressão e assunção de riscos.
- Os estóicos (25% dos participantes): Estes homens identificavam-se fortemente com ideais de controlo emocional, autossuficiência e assunção de riscos. Eram os mais susceptíveis de reprimir as suas emoções, somatizar os sintomas e referir crenças de que a sua dor era insuportável e incontornável.
Tanto os “Jogadores” como os “Estóicos” apresentaram níveis significativamente mais elevados de depressão, repressão emocional e suicídio do que os “Igualitários”. Apesar da sua angústia, estes homens eram:
“Menos propensos a serem formalmente diagnosticados com depressão, menos propensos a procurar tratamento psicoterapêutico e, portanto, menos propensos a receber ajuda profissional quando apresentavam sintomas de depressão.”
Isto sugere que a masculinidade tradicional não só agrava os desafios da saúde mental, como impede ativamente os homens de procurarem a ajuda de que precisam.
O estudo concluiu que os homens do grupo “Estóico” eram especialmente vulneráveis à internalização da angústia. Eles eram mais propensos a sofrer somatização, um processo em que o sofrimento psíquico se manifesta na forma de sintomas físicos. Este padrão tem sido associado a índices mais baixos de busca de ajuda e a um maior risco de suicídio.
Tanto os “Jogadores” como os “Estóicos” também tinham maior probabilidade de acreditar que a sua dor emocional era permanente e insuperável – dois factores cognitivos que têm sido fortemente associados ao suicídio.
“Estas constatações podem ajudar a compreender como um subgrupo específico de homens, enraizado em normas de género socializadas e restritivas, pode encontrar-se numa situação em que considera o suicídio como a única saída viável para a sua dor emocional”, explicam os autores.
Os investigadores já tinham salientado a necessidade de renovar a masculinidade a bem de uma masculinidade saudável. Para tal, temos de começar por compreender que as masculinidades não se formam no vácuo, mas antes que existem e se formam no seio de estruturas sociais específicas. A investigação demonstrou que a adesão aos ideais masculinos tradicionais está associada a uma baixa literacia em matéria de saúde e a um maior sofrimento.
Ainda há muito a aprender sobre o suicídio e sobre a forma de o prevenir, mas sabemos que o suicídio se segue a uma série de sentimentos, pensamentos e intenções. Assim, estudar os caminhos que levam à concretização do suicídio nos homens é uma forma vital de prevenção do suicídio. Os resultados actuais confirmam que os valores, as crenças e as expectativas da moderna sociedade capitalista em relação aos homens são prejudiciais para estes, o que aponta para a necessidade imperativa e urgente de alterar estas práticas e ideais.
Ainda que seja bem sabido que a conformidade com as normas tradicionais de género tem um impacto profundo nas mulheres, investigações como esta são cruciais para compreender o efeito que tem também nos homens. Para além disso, a masculinidade tóxica tem sido apresentada como um sintoma do colonialismo. O colonialismo serviu como mecanismo para reprimir as culturas latinas, LGBTQ+ e indígenas, onde a fluidez de género era a norma e a existência de diversas identidades de género e normas e papéis de género era considerada normal. Além disso, há provas de que os estereótipos e as normas de género são aprendidos desde muito cedo, o que realça a necessidade de abordar as famílias, as instituições educativas e outras estruturas sociais.
Os investigadores concluem:
“Com base nas nossas observações, recomendamos programas de intervenção adaptados para homens deste grupo de alto risco para incentivar a expressão emocional aberta, promover e normalizar comportamentos de busca de ajuda e fornecer estratégias para mitigar comportamentos de risco a fim de reduzir o risco de condutas suicidas.”