Um novo estudo transnacional questiona a eficácia dos antidepressivos, salientando o papel crucial dos fatores sociais e económicos na resolução dos desafios globais em matéria de saúde mental.
Traduzido por Tiago Pires Marques de Mad in America (texto original)
Numa época em que os problemas de saúde mental, como a depressão, estão na vanguarda das preocupações globais de saúde pública, a dependência dos antidepressivos como estratégia de tratamento primário está a ser reavaliada de forma crítica.
Um novo estudo de Roger T. Mulder, da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, e Anthony F. Jorm, da Universidade de Melbourne, na Austrália, publicado na revista BJPsych Open, revela que o aumento da prescrição de antidepressivos não está associado a uma menor prevalência de sintomas depressivos. Em vez disso, fatores como o rendimento, a educação e a esperança de vida, medidos pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), apresentam uma correlação mais significativa com a redução das taxas de depressão.
“Os resultados reforçam a ideia de que é pouco provável que a abordagem das elevadas taxas de prevalência da depressão através do reconhecimento dos sintomas e do tratamento com antidepressivos seja eficaz. A eficácia absoluta a longo prazo dos antidepressivos em contextos reais é decepcionantemente modesta. Esta baixa eficácia dos antidepressivos (e dos tratamentos da depressão em geral, se formos honestos) a nível da população sugere que a redução da lacuna de tratamento terá pouco impacto na prevalência comunitária da depressão”, escrevem os investigadores.
“No entanto, o facto de o rendimento, a educação e a esperança de vida (medidos através do IDH) estarem significativamente associados à prevalência de tristeza, preocupação e infelicidade sugere que formas alternativas de abordar a depressão a nível comunitário podem ser mais produtivas.”
Os resultados sublinham a necessidade de mudar o enfoque da mera expansão do acesso aos antidepressivos para a abordagem dos determinantes sociais subjacentes que contribuem para os problemas de saúde mental. Por conseguinte, o estudo apela a uma reavaliação das atuais estratégias de saúde pública no combate à depressão, defendendo uma abordagem mais holística que inclua melhorias económicas e educativas.
Esta nova investigação sobre a depressão aborda o conhecido paradoxo da prevalência dos tratamentos: um fenómeno em que a disponibilidade de tratamentos psiquiátricos e a prevalência da depressão aumentam simultaneamente. Mulder e Form sublinham que o bem-estar e o desenvolvimento da sociedade podem prever melhor a prevalência da depressão do que a acessibilidade aos medicamentos psiquiátricos. Os investigadores explicam:
“A depressão é um dos principais problemas de saúde pública a nível mundial, com uma prevalência de cerca de 5%. Acredita-se amplamente que os antidepressivos são um tratamento eficaz para a depressão, tendo-se registado um aumento acentuado da taxa de prescrição de antidepressivos desde a década de 1980. Por exemplo, nos EUA, a taxa de tratamento ambulatório da depressão passou de 0,73/100 doentes em 1987 para 2,88/100 em 2007, um aumento de quatro vezes, em grande parte devido à prescrição de antidepressivos. Esta maior disponibilidade de antidepressivos deveria encurtar os episódios depressivos e reduzir as recaídas e as recorrências. No entanto, as meta-análises de inquéritos epidemiológicos na população em geral dos países ocidentais desde 1980 não registam uma diminuição da prevalência da depressão.”
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi utilizado para encontrar três medidas para este estudo: rendimento, acesso médio a todos os níveis de educação e esperança de vida. O IDH é uma medida de síntese utilizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para acompanhar as dimensões da realização humana.
Os autores citam a sua investigação anterior que utilizou o IDH para mostrar uma correlação negativa entre estas três medidas e a prevalência de “tristeza, preocupação e infelicidade”. Isto significa que a tristeza, a preocupação e a infelicidade tendem a diminuir à medida que o rendimento, a educação e a esperança de vida aumentam.
Os autores descobriram que havia dados disponíveis sobre a utilização de antidepressivos em 29 dos 38 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, um banco de dados internacional que serve para recolher e fornecer dados para estudos como este.
As estatísticas sobre a prevalência da tristeza e da preocupação provêm do Gallup Global Emotions Report de 2019, que realizou inquéritos por amostragem representativos em 143 países. A prevalência da infelicidade provém do World Values Survey Wave 7, que mais uma vez pediu a uma amostra representativa de adultos de 81 países que classificassem a sua felicidade.
Em última análise, este estudo baseou-se exclusivamente em dados pré-existentes, eticamente aprovados e anonimizados que representavam adequadamente muitos países e comunidades.
De acordo com as previsões dos investigadores, o paradoxo tratamento-prevalência foi representado nos seus resultados – um aumento na prescrição de antidepressivos não está associado a uma diminuição da prevalência da depressão a nível nacional. Por outro lado, o Índice de Desenvolvimento Humano foi associado a uma menor prevalência de tristeza, preocupação e infelicidade.
É importante recordar o contexto deste estudo: os autores estão a fazer afirmações sobre países e não sobre indivíduos. Por outras palavras, as explicações para as correlações encontradas neste estudo são potencialmente multifacetadas. Por exemplo, quando as pessoas de um país começam a ter sintomas de depressão, é mais provável que procurem tratamento através de medicamentos psiquiátricos. Esta pode ser a razão pela qual o paradoxo tratamento-prevalência existe em primeiro lugar: locais com uma elevada prevalência de depressão relatam o tratamento simultâneo dessa depressão. Duas coisas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, o que constitui uma limitação à investigação. Uma pessoa que esteja a tomar antidepressivos pode não se considerar “curada” da depressão e referir que a tem, não diminuindo assim a prevalência da depressão apesar de aumentar o uso de antidepressivos numa população.
O que torna esta limitação uma variável mediadora improvável (ou, no mínimo, de baixo poder) é o facto de os países com IDH elevado também tenderem a registar uma maior utilização de antidepressivos. Mesmo que isto seja verdade, um IDH elevado é melhor para prever uma baixa prevalência de depressão do que uma elevada utilização de antidepressivos. Isto indica que o rendimento, a educação e a esperança de vida estão mais significativamente associados à diminuição da prevalência de tristeza, preocupação e infelicidade do que a utilização de antidepressivos.
De acordo com os autores, esta investigação não é necessariamente nova. No entanto, reforça um facto há muito ignorado pela psicologia e pela legislação dominantes: o bem-estar mental e emocional está inserido em contextos sociais, políticos e culturais. Apelam a mais investigação sobre os impactos regionais da saúde mental e do IDH e a uma reavaliação do financiamento e das despesas.
“As despesas com atividades preventivas e investigação preventiva no domínio da saúde mental continuam a ser limitadas. Esta investigação indica que o aumento das despesas com o tratamento da depressão e as chamadas necessidades não satisfeitas não são suscetíveis de melhorar significativamente a depressão na nossa comunidade”, escrevem.
“Sugerimos que as experiências regionais para testar se os tipos de trabalho de prevenção são rentáveis constituem uma melhor utilização dos recursos do que outros ensaios controlados aleatórios que comparam diferenças subtis nos medicamentos antidepressivos.”
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Mulder, R. T., & Jorm, A. F. (2023). O impacto dos antidepressivos e das medidas de desenvolvimento humano na prevalência de tristeza, preocupação e infelicidade: comparação transnacional. BJPsych Open, 9(6), e182. doi:10.1192/bjo.2023.576 (Link)