Traduzido por Tiago Pires Marques de Mad in America (texto original)
Chegámos a um ponto em que a extinção da vida na Terra, o fim da civilização humana, não só é possível como, de acordo com os nossos cientistas mais sãos, pode ser inevitável. O que antes eram apenas os delírios loucos de profetas-psicóticos iludidos são agora factos sãos e aceites. O fim está próximo.
E pior: as coisas que pensamos estar a fazer para salvar o mundo podem estar a aproximar o fim. A nossa situação atual resultou, afinal, de um pensamento “normal”: especialistas sãos que nos garantiram que a manutenção do status quotraria um futuro brilhante. Agora estão a reconsiderar. Muitos receiam que o tom racional dos seus avisos sobre as alterações climáticas possa ter levado toda a gente à complacência, e os promotores da indústria “verde” perguntam-se se toda a propaganda sobre reciclagem, carros elétricos e casas solares não estará apenas a espalhar falsas esperanças. E que tal esta: e se o mundo já estiver a acabar e nós não o admitirmos? E se já for demasiado tarde?
Muitos de nós não conseguem sequer pensar em nada disto… as emoções avassaladoras são demasiado fortes. A falta de esperança é o novo normal. Mas que tipo de “normal” é esse, exatamente?
Albert Einstein (que, já agora, era socialista) disse: “É essencial um novo tipo de pensamento se a humanidade quiser sobreviver”. Por isso, talvez em vez de calmas TED Talks sobre a “transição para as energias renováveis”, o que realmente precisamos é de algum… pânico? Um pouco de loucura?
Lembro-me das noites dos meus vinte anos, sozinho num apartamento em São Francisco: a pensar nos factos do fim do mundo. Pesquisava a desigualdade e o ecocídio, a perda de habitat, o complexo industrial militar, o esgotamento das florestas… Tentava desesperadamente escrever sobre o aquecimento global para uma revista socialista, numa altura em que só alguns da esquerda levavam a ecologia a sério. Eu estava a olhar para tudo isto com muita força – e tudo isto estava a olhar de volta. Não dormia, não comia, respondia às vozes na minha descida assombrada, frenética com medos, mensagens e ligações. A minha vida, os meus traumas, toda a história pessoal que nunca tinha enfrentado, tudo me conduzia a uma visão que tinha de partilhar, mas não podia. Eu estava preso naquele apartamento em São Francisco e a minha visão caiu-me em cima, o meu próprio, e muito pessoal, fim do mundo.
Fui internado no Instituto Psiquiátrico Langley Porter da Universidade de São Francisco e diagnosticado como psicótico. As minhas perguntas desesperadas sobre salvar o mundo? Sintomas de um distúrbio de pensamento paranoico e maníaco.
Olhando para trás, não tenho a certeza: o que é mais louco, fazer perguntas sobre o fim do mundo, ou… não fazer perguntas sobre o fim do mundo? Será realmente são tratar as perguntas como se nem sequer valessem a pena ser feitas?
Nos anos que se seguiram, as minhas suspeitas aumentaram. As visões loucas são verdadeiras; basta olhar em volta. Vigilância online, telemóveis que são praticamente microchips implantados, alimentos envenenados, infertilidade… e estou só a começar: os microplásticos nos tecidos dos nossos órgãos “precisam de mais investigação” e os robôs colocam em risco os nossos empregos. Ainda não há muito tempo era uma loucura, agora é tudo.
Assim, uma vez que o que era louco é agora normal, poderá a loucura ensinar-nos algo sobre como salvar o mundo?
Acho que o Star Trek pode ajudar.
Quando foi a última vez que perguntámos realmente como poderíamos salvar o mundo – quero dizer, perguntámos mesmo, coletivamente? O meu palpite é o final da década de 1960. Era uma conjuntura feroz; o fim do mundo estava na mente de toda a gente: os nossos mestres orwellianos perderam o controlo; as notícias da noite deram-nos uma visão crua. Olhámos para o espelho da nossa própria aniquilação.
A máquina de guerra dos EUA passava todas as noites na televisão. Os fantoches da indústria militar (na humilde opinião deste autor) assassinaram Fred Hampton, e talvez até o Dr. King, Malcolm, e não um, mas dois Kennedys. Dr. Strangelove, de Kubrick, expôs os EUA a conduzirem a Guerra Fria e a insistirem num primeiro ataque nuclear para dominarem um pós-guerra despovoado. Oradores espirituais como Krishnamurti procuraram as fontes de violência na nossa divisão entre Nós e Eles. E em Politics of Experience de 1967, R.D. Laing, o psiquiatra escocês que desmantelou impiedosamente as mentiras violentas da psiquiatria, diagnosticou a guerra e a ameaça nuclear como a nossa loucura coletiva, sintomas, escreveu ele, de “ajustamento a uma civilização aparentemente conduzida à sua própria destruição”. À medida que o movimento dos sobreviventes psiquiátricos crescia, mais e mais pessoas perguntavam o que significava ser chamado de “louco” num mundo tão obviamente, descaradamente louco.
E em 1967, a série televisiva Star Trek foi para o ar com o seu episódio aclamado pela crítica, The City on the Edge of Forever.
Tal como em grande parte do Star Trek original, era um comentário explícito sobre a agitação social da altura. E foi um comentário e tanto. O argumentista Harlan Ellison ganhou os prémios Hugo e Writers Guild of America; ele e o criador da série, Gene Roddenberry, sentiram-se tão fortes em relação ao poderoso guião que desafiaram os censores da NBC e insistiram em manter os palavrões tal como Ellison os escreveu. E assim os telespectadores ouviram o Capitão Kirk, pela primeira vez na história da televisão, dizer “Vamos embora daqui” [“Let’s get the hell out of here”].
Acho que este episódio tem algumas pistas para nós. Uma sinopse (spoilers à frente):
Durante uma distorção temporal, o Dr. McCoy injeta-se acidentalmente com uma droga perigosa. Ele entra numa loucura frenética, gritando “Assassinos! Assassinos! Não vos deixarei!”, e foge para a fonte da distorção no planeta abaixo. Kirk e Spock formam um grupo de aterragem para seguir McCoy, mas este salta através de um misterioso portal de viagem no tempo dos Guardiões do Eterno para o passado.
Incapazes de contactar a Enterprise, Kirk e Spock percebem que McCoy deve ter mudado a história de alguma forma. As ações de McCoy no passado afetaram o futuro (o seu presente); como resultado, a Enterprise deixou de existir. O grupo de aterragem está encalhado: para eles, é o fim do mundo.
Kirk e Spock tentam impedir o que quer que McCoy tenha feito, para corrigir a história e restaurar a Enterprise. Saltam através do portal para o passado da Terra e chegam a Chicago em 1932, alguns dias antes de McCoy. Com fome e sem dinheiro, encontram a 21st Street Mission, uma sopa dos pobres gerida por Edith Keeler. Keeler dá-lhes comida e abrigo e prega a sua visão de pacifismo e otimismo utópico: ela acredita no brilhante futuro tecnológico da humanidade, a exploração espacial. Impressionado pela estranha simpatia com a sua própria vida de capitão de nave estelar, Kirk apaixona-se por ela.
O computador de Spock revela que, na sua linha temporal original, Keeler morreu num acidente de viação. Ele vê que, de alguma forma, McCoy vai impedir a sua morte e, na nova linha temporal criada pelas ações de McCoy, Keeler sobreviveu e tornou-se uma líder pacifista. A sua influência ajudou a atrasar a entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial e, como resultado, os nazis ganharam a guerra. No futuro desta linha de tempo alternativa, a utópica Federação nunca foi criada. E assim McCoy mudou a história e a Enterprise não existe mais.
Com esta informação, Spock diz friamente a Kirk que, para restaurar a história e salvar a Enterprise, Edith Keeler deve morrer.
McCoy finalmente chega a Chicago. A overdose de drogas passa, e ele encontra o caminho para a 21st Street Mission, onde conhece Edith Keeler e também se afeiçoa ao seu otimismo. Spock e Kirk encontram McCoy e alegram-se, mas quando Edith Keeler atravessa a rua para se juntar a eles, não vê um camião que se aproxima a grande velocidade. Kirk avança para a afastar, mas Spock grita-lhe e ele pára. McCoy também tenta proteger Keeler, mas agora Kirk segura McCoy. O camião atinge Edith Keeler e, com um grito horrível, ela morre.
Chocado, McCoy pergunta a Kirk se ele sabe o que acabou de fazer. Kirk permanece em silêncio; Spock responde “Ele sabe”.
Kirk, Spock e McCoy saltam para o presente através do portal Guardiões do Eterno e voltam a juntar-se ao grupo de aterragem. A Enterprise reapareceu: Kirk diz a frase “Vamos embora daqui” e o episódio termina.
No início, podemos pensar que sabemos qual é a mensagem do programa para nós no fim do mundo: fazer a coisa certa – mesmo que isso signifique um sacrifício doloroso. Mas The City on the Edge of Forever (como toda a grande ficção científica) virou as coisas tão ao contrário que questionamos este significado aparente e superficial. É aquela profanação final. Tal como Kirk, não conseguimos deixar de sentir que algo muito mais devastador se está a passar, algo muito mais profundo do que apenas uma história trágica sobre deixar ir o que amamos em nome de um dever superior de sobrevivência.
À primeira vista, The City on the Edge of Forever parece dizer que os fins justificam os meios. Uma pessoa inocente e boa, um pacifista e idealista, tem de morrer ou os nazis vencem. O mundo é perigoso! Eles são maus! Temos de fazer coisas más (como ir para a guerra ou deixar morrer uma mulher inocente) para os derrotar. Qualquer ação que se pretenda ética, por mais elevada que seja, deve ser julgada pelo seu resultado, avaliada pelo cálculo inevitável da história.
Este tema é uma preocupação no universo de Star Trek; o seu defensor constante é Spock. Em The Wrath of Khan, Spock diz: “A lógica dita claramente: as necessidades de muitos superam as necessidades de poucos.”
Assim, se Spock fosse questionado sobre a emergência climática, a desigualdade global, o militarismo, o colapso ecológico… e todos os outros sinais de “civilização aparentemente conduzida à sua própria destruição”, ele calcularia os meios necessários para atingir o objetivo da sobrevivência. Logicamente. Que sacrifício temos de fazer? Que risco devemos correr? Valerá a pena construir colónias em Marte? Semear a atmosfera com sulfatos? A lógica decidirá: a nossa sobrevivência depende disso.
A alegoria parece encaixar – mas isso perderia o verdadeiro significado da esperança de Edith Keeler, do frenesim louco de McCoy e do pronunciamento de Spock.
Star Trek diz-nos que a perspetiva do Sr. Spock é necessária. Mas o seu lugar correto não é no comando, mas em segundo lugar, sob o comando de Kirk. A ciência e a lógica têm grande autoridade – Spock é o primeiro a ser consultado quando a sobrevivência da Enterprise está em jogo. Mas essa autoridade é sempre limitada: Spock não tem o que é preciso para resolver o problema sozinho. Spock é meio vulcano, um lembrete constante de que a ciência por si só nunca pode ser totalmente humana. Aquelas orelhas pontiagudas realçam o grave perigo de pensar de outra forma: a lógica de Spock arrisca sempre o desastre, segui-la é ser tentado pelo demónio.
Em vez disso, no centro da possibilidade utópica da humanidade, Star Trek coloca o Capitão Kirk. Kirk ouve a razão de Spock e confia fortemente na ciência, mas no momento decisivo de cada episódio, Kirk desafia a lógica do seu segundo comandante. Kirk desafia toda a gente: as regras, a Federação, a Diretiva Principal, a autoridade, as probabilidades, os oficiais na ponte… Ele arrisca muitos pelo único. Ele faz a coisa irracional. Ele segue a orientação de Spock, mas depois, quando é preciso, ele segue o seu instinto, ele salta com a sua intuição. O que faz de Kirk Kirk é o facto de ele não ir logicamente, Kirk vai corajosamente. Ao colocar a lógica disciplinada de Spock em segundo lugar, e o volátil, impulsivo, intuitivo e emocional Kirk em primeiro, Star Trek diz-nos exatamente onde encontrar o nosso futuro esperançoso: o coração humano.
Exceto em The City on the Edge of Forever. Kirk trai o seu coração; ele segue Spock. Não há conversa, não há deliberação, Kirk é complacente com Spock, o perito, e mata a mulher que ama. Spock acredita que foi lógico, para salvar o mundo: a lógica dita. Mas quando Kirk diz “Vamos embora daqui”, sabemos que ele percebeu algo que Spock, com toda a sua razão e lógica, não conseguiu.
Edith Keeler era devotada ao seu pacifismo e ao serviço da sopa dos pobres. E com a mesma paixão, Kirk também tem a sua própria Missão da Rua 21: voltar a comandar a sua nave. Missão e Enterprise: tanto Keeler como Kirk são dedicados à sua imagem dos bons fins. Tal como Kirk, Keeler tem o seu próprio comando; tal como Kirk, ela olha para o futuro em busca da promessa da humanidade; e tal como Kirk, ela apaixona-se facilmente. Kirk foi enviado pelo portal Guardião do Eterno para encontrar Keeler porque ela é um reflexo de si mesmo.
Spock diz que Keeler não consegue ver como a sua devoção leva à vitória nazi e ao fim do mundo. Mas e a devoção de Kirk? Como Kirk poderia saber o resultado futuro de sua própria missão? O portal dos Guardiães não revela que qualquer resultado suficientemente distante no futuro pode se tornar o oposto do que foi planeado? Com o império americano em guerra no Vietname à distância de uma mudança de canal de televisão (e com as guerras eternas dos EUA a serem transmitidas para os nossos telemóveis), será assim tão difícil imaginar que podemos ser nós, e não eles, o mau resultado? E isso não torna Kirk tão cego na sua dedicação como Keeler?
E assim vemos porque é que Kirk permanece em silêncio e quer “sair daqui para fora”. Ele traiu o que sabia no seu coração pela falsa imagem de que Spock e o seu computador mostravam a verdade.
Não é assim que nos encontramos hoje? Os cientistas de hoje olham para os computadores e declaram que, oops, a missão de progresso da civilização era de facto uma devoção cega, uma imagem de otimismo e arrogância do status quo: uma imprudência tecnológica maníaca que ameaça agora toda a vida na Terra. As nossas crenças não conduziram a um futuro brilhante, mas ao fim do mundo. Será que devemos voltar a olhar para os mesmos computadores em busca de soluções? Ou veremos apenas a nossa própria devoção exibida em mais imagens pouco fiáveis? Lembrem-se de Einstein – podemos realmente sobreviver sem um novo tipo de pensamento?
Em 1967, ano em que The City on the Edge of Forever foi para o ar, Laing debateu-se com a mesma questão. Reuniu políticos, filósofos e artistas revolucionários dos anos 60 (incluindo Paul Goodman, Herbert Marcuse, Angela Davis, Allen Ginsberg, Thích Nhất Hạnh, Carolee Schneeman, Gregory Bateson, C.L.R. James e Stokely Carmichael) no Congresso da Dialética da Libertação. No seu discurso, notavelmente intitulado “O Óbvio“, Laing abordou a guerra dos EUA no Vietname e a marcha para o fim do mundo, declarando que “o tempo de Orwell já está entre nós… as mentiras cínicas, os enganos multifacetados e as ilusões sinceras a que estamos agora sujeitos através de todos os meios de comunicação social – mesmo os órgãos da erudição e da ciência – obrigam-nos a uma posição de ceticismo social quase total. Não há quase nada que possamos saber sobre o sistema social mundial total… Não podemos confiar em príncipes, papas, políticos, académicos ou cientistas… Mas é possível saber que não podemos saber.”
Soa familiar? É o dilema da nossa política como teatro de guerra e desigualdade. E, tal como Kirk, Laing vai mais longe: não se limita a confrontar o horror da aniquilação, mas enfrenta também a falta de fiabilidade de qualquer imagem ou projeção que se apresente como uma solução.
A ameaça nazi era real, tal como a emergência climática, o militarismo global, a desigualdade, o colapso ecológico e o veneno na nossa comida são reais. Star Trek é otimista e não rejeita a tecnologia e a razão: mantém a ciência por perto. Mas Kirk sabe muito bem como “não confiar em príncipes, papas, políticos, académicos ou cientistas” – ele apenas perdeu a coragem de confiar em si próprio quando deixou Keeler morrer.
“Temos de começar”, diz Laing, “por admitir e até aceitar a nossa violência, em vez de nos destruirmos cegamente com ela” (ênfase adicionada). Kirk poderia ter começado essa admissão. Mas com seu “Vamos para fora daqui”, ele foge, e o episódio termina com a devoção à sua missão restaurada. Kirk fugiu, temendo a loucura do que aprendeu. No entanto, Laing insistiu, e o movimento de sobreviventes psiquiátricos continua a exigir, que, em vez disso, escutemos a loucura. The City on the Edge of Forever tenta fazer da loucura o professor de Kirk.
Kirk e Spock declaram que McCoy, no seu frenesim selvagem, era paranoico e delirante. Mas será que ele estava? E se Kirk e Spock forem de facto os verdadeiros “assassinos e homicidas” de que McCoy falava? E se McCoy pudesse ver, nas suas visões loucas, que Kirk e Spock estavam a caminho de matar Keeler, por devoção à sua própria imagem louca de salvar o seu mundo?
O episódio pede-nos, seguindo Laing, que consideremos que os loucos e os sãos, nós e eles, têm mais em comum do que queremos acreditar. Laing é frequentemente retratado como defensor da loucura como superior à sanidade. Isto é incorreto. Em vez disso, Laing via a loucura e a sanidade como igualmente alienadas do facto de serem totalmente humanas. O computador de Spock ou a injeção de droga de McCoy: a questão é que tanto a sanidade como a loucura não conseguem ver o Óbvio. Estaria McCoy a gritar “Assassinos! Assassinos!” era mais delirante do que Kirk e Spock matando uma mulher por um futuro do qual, em última análise, nunca poderiam ter certeza?
Então, talvez o que Kirk mais traiu neste episódio foi a parte irracional e ilógica dele, a parte que segue o coração, a parte que também é loucura. Porque o amor não é uma espécie de loucura?
Talvez todos, os loucos e os normais, nós e eles, estejam a perseguir a sua própria missão. Talvez todos tenham a sua própria imagem, a falsa crença de que podem conhecer os fins que usam para justificar os meios das suas escolhas. E se a única escolha que podemos realmente fazer, e confiar, for a escolha irracional, até mesmo louca, de amar? Como é que seria então salvar o mundo? Podemos, com o Dr. King, recusar o Nós contra Eles, mas ainda assim ter a coragem de salvar alguém que amamos de um camião que se aproxima, ainda assim tomar uma posição contra a violência óbvia que nos rodeia?
Kirk nunca teve a hipótese de fazer estas perguntas. Quando Spock disse que Keeler tinha de morrer, não houve conversa, nem perguntas sobre o dilema que o computador apresentava, nem ninguém a ouvir. Com o seu amigo Spock não havia comunhão, não havia coração, apenas os ditames da lógica.
Naquelas noites no meu apartamento em São Francisco, antes de a psiquiatria me prender, eu estava a tentar, à minha maneira, salvar o mundo. Tal como Kirk fez, tal como muitos de nós tentamos. Durante muito tempo, pensei que tinha enlouquecido por causa das perguntas que fazia, por não ter respostas. Agora sei que o que me atormentava não era olhar para o abismo do nosso futuro ameaçado; não era a minha história pessoal de trauma, ou mesmo o mundo louco em que vivemos. O que me destruiu foi o facto de não ter ninguém comigo. O que me enlouqueceu foi o facto de, quando enfrentei o fim do mundo, estar sozinho.
Nota do Editor: Este artigo foi adaptado de uma apresentação do autor no 10º Simpósio Anual R.D. Laing no Século XXI.
Sua análise crítica sobre o tema foi muito bem fundamentada, proporcionando uma reflexão profunda e necessária.