20 de junho de 2023
Traduzido por Mattia Faustini de Mad in America (texto orginial)
Há alguns anos, um idoso de cerca de 85 anos foi internado num hospital britânico. Insistia que não tinha tempo para ser hospitalizado porque a sua mãe precisava dele. Os profissionais não acreditaram nele. Mas ele estava a dizer a verdade. A sua mãe era uma das pessoas mais velhas da Grã-Bretanha, e estava dependente da ajuda do seu filho. A história apareceu no British Medical Journal como uma advertência sobre a desconfiança em relação ao que as pessoas dizem aos seus médicos.
Fiz uma ronda de palestras na América do Norte depois de ter publicado o meu livro sobre medicamentos mortais e crime organizado na indústria dos medicamentos e me perdi num grande hospital em Baltimore. Não conseguia encontrar o auditório e a organizadora do encontro não atendia o seu telemóvel. Andei por aí desesperado enquanto o tempo da minha palestra se aproximava rapidamente.
Como último recurso, dirigi-me à receção no hospital. Como estava com pressa, ignorei uma grande fila de pacientes e expliquei à rececionista que não era um paciente, mas um médico agendado para dar uma palestra dentro de alguns minutos.
“Por favor, vá para o fim da fila”, respondeu ela com uma cara de pedra. Repeti que era médico e pedi ajuda para encontrar o meu colega que trabalhava no hospital.
“Por favor, vá para o fim da fila”, respondeu o robô. Não lhe importava o quanto eu implorasse por ajuda. Ela provavelmente pensou que eu era um caso psiquiátrico com o delírio de ser médico, uma vez que não me disse que o balcão de informações do hospital estava por perto.
Cheguei ao auditório mesmo a tempo depois de ter perguntado a uma pessoa amigável no corredor onde se encontrava o balcão de informações do hospital.
Mais tarde, na mesma viagem, no Hospital McMaster em Hamilton, Ontário, voltei a perder o rumo. O meu colega tinha-me dado algumas instruções, mas admitiu que era muito difícil encontrar o seu gabinete. Mais uma vez, precisei de ir à receção dos pacientes, onde expliquei cuidadosamente que era médico e que tinha uma consulta com um colega. Após muitos incómodos e descrença, o rececionista estabeleceu relutantemente uma ligação e o meu colega desceu para me vir buscar.
Ele estava de serviço, e quando o seu pager uivou um pouco mais tarde, eu disse em tom de brincadeira que estava convencido de que era o rececionista que lhe diria que o seu paciente – eu – tinha chegado. Pois foi. Eu tinha voltado a ser paciente, e o meu título de médico era novamente desacreditado.
Perante uma tal atitude com pessoas que não sofrem de quaisquer perturbações psiquiátricas ou somáticas, é fácil compreender que os pacientes com um diagnóstico psiquiátrico podem ficar muito frustrados quando são objeto de desconfiança. Também se torna compreensível que a violência seja por vezes desencadeada pelo comportamento desrespeitoso do profissional, particularmente quando os médicos se recusam a confiar no que os pacientes lhes dizem sobre as suas más experiências com os medicamentos que lhes prescrevem. Isto acontece com tanta frequência que quase parece ser a norma cultural nos departamentos psiquiátricos.
O filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard escreveu em 1859: “A fim de ajudar verdadeiramente outra pessoa, tenho de compreender mais do que ele – mas certamente, antes de mais nada, compreender o que ele compreende. Se eu não fizer isso, então a minha maior compreensão não o ajuda em nada. Se mesmo assim quero afirmar a minha maior compreensão, então é porque sou vaidoso ou orgulhoso, então basicamente, em vez de o beneficiar, quero realmente ser admirado por ele. Mas toda a verdadeira ajuda começa com uma humildade. O ajudante deve primeiro humilhar-se sob a pessoa que quer ajudar e assim compreender que ajudar não é dominar, mas servir, que ajudar não é ser o mais dominante, mas o mais paciente, que ajudar é, por agora, uma vontade de aceitar estar errado e não compreender o que o outro entende”.
Isto foi há 150 anos. Mas poucos psiquiatras praticam a psiquiatria desta forma, humilhando-se a si próprios. O que eles fazem é o oposto, que foi expresso sucintamente num comentário de blog no Mad in America:
A psiquiatria é fundamentada em como o psiquiatra “se sente” sobre o paciente e não em como o paciente realmente se sente. Chama-se “Medicina” BASEADA NA OPINIÃO.
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Mad in Portugal acolhe blogues de diversos autores. Estas publicações foram concebidas para servirem de fórum público de debate – em termos gerais – sobre a psiquiatria e os seus tratamentos. As opiniões expressas são as dos próprios autores.